O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES
Quando vejo em nossos
dias alguns acadêmicos brigando por causa das traduções eu me preocupo. Primeiro pela falta de amor cristão
entre eles; segundo, com o desconhecimento sobre as traduções.
Desde o meu tempo de Seminário (1986) já havia uma briga séria sobre os estudos
críticos do NT, e me deparava com as críticas com respeito a uma parte da
exegese chamada Crítica textual. Meu
professor de Grego (Waldir Carvalho Luz, estudioso de Princeton e aluno de M.
Black e Bruce Metzger) me ajudou a compreender os problemas textuais e os
problemas com respeito as teorias de Westcott e Hort e a mudança quanto ao Texto
Recebido. Sou grato a Deus pela sua sabedoria e ensino, que dizia: "embora
tenhamos muitos manuscritos, eles não afetam o cerne da mensagem das
Escrituras", isto significa que embora estudemos os por menores dos
textos, fazendo uma revisão crítica, estes estudos não afetam a teologia ou o comprometimento
da boa e infalível verdade de Deus.
Como professor de grego e exegese recebo alguns emails sobre questões de tradução. Alguns dizem: Esta versão é satânica? Será que o que vemos no Google que esta ou aquela tradução é do Diabo, ou ainda: “esta versão é mais santa do que a outra?” Esta versão da Bíblia segue os melhores manuscritos e foi extraída do Textus Receptus outra do Texto Majoritário e, por isso, é melhor do que outras versões extraídas de outros manuscritos, chamados Texto Crítico? As questões são as mais variadas. Outros ainda afirmam, que quanto mais velho o manuscrito (MSS), mais credibilidade ele tem, e assim a briga se dá com as versões do Rev. João Ferreira de Almeida Corrigida baseada no Textus Receptus, bem como a corrigida fiel, em contrapartida contra as traduções do texto Crítico que são: a Edição da Almeida Revista e Atualizada, a Bíblia de Jerusalém, a Bíblia na Linguagem de hoje, a Bíblia Nova Versão Internacional e agora a Bíblia do século XXI.
Qual é a melhor versão? Qual versão segue os melhores manuscritos? Será que podemos confiar nas versões? Para essas respostas, depende do entendimento que as pessoas têm sobre os manuscritos antigos, elas podem colocar essas versões no céu ou no inferno. Por isso escrevo esse blog para ajudar a entender um pouco melhor sobre o mundo da Crítica textual , matéria tão importante dentro da tarefa da Tradução. Eu não sou um perito, mas um estudioso. Minhas colocações não são para atingir ninguém, e sim unir os crentes em torno da Palavra de Deus e, ao mesmo tempo, estimulá-los a estudá-la.
Eu não vou defender nenhuma das Sociedades, mas advertir que traduções não são os autógrafos originais e sim instrumentos para interpretação, por isso, as mesmas requerem estudos críticos (chamado em teologia de baixa crítica), desprovidos de preconceitos. Por isso, a forma como nos aproximamos dos textos devem ao menos ser respeitosas. Desta forma, delineamos algumas diretrizes gerais sobre as questões da tradução da Bíblia:
Primeiro alguns parâmetros sobre a história do texto em língua portuguesa
do Pastor Reformado (e calvinista) João Ferreira de Almeida que trouxe a Bíblia
para o Brasil.
Segundo, sobre os avanços da crítica textual desde a Reforma (de forma breve).
O Novo
testamento em Português - fase inicial
(Extraído do livro: BITTENCOURT, B.P., O Novo Testamento: metodologia da Pesquisa textual. 3a. Ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1993.).
As primeiras
experiências de uma versão em português datam do Rei Dinis (1261-1325) que foi
o primeiro monarca a dar atenção a Bíblia em língua portuguesa. A primeira
porção traduzida em Portugal datada do século XII ou início do XIII aconteceu
por este mesmo monarca com os 20 primeiros capítulos de Gênesis. Em 1320, alguns
monges de Alcobaça traduziram uma pequena porção do NT. Depois, temos uma
tradução de alguns padres católicos por mandado do Rei D. João I (1385-1433),
este trabalho foi feito sobre a Vulgata latina. No séc. XV a infanta D. Filipa,
filha de D. Pedro e neta de D. João I, traduziu as Epístolas e os Evangelhos do
francês, além de ilustrá-los com as próprias mãos.
Um frade chamado
Bernardo de Alcobaça traduziu algumas partes dos Evangelhos diretamente da
Vulgata. Seu trabalho foi publicado em Lisboa no séc. XV. Em 1495, um jurista
chamado Gonçalo Garcia de Santa Maria traduziu as Epístolas para algumas liturgias
e os Evangelhos. Em 1505, Atos e as Epístolas católicas foram impressos por
ordem da Rainha Leonora de uma velha tradução. Até o século XVI nada de
importante foi feito até surgir um homem "que é central para a história da
tradução da Bíblia em português."
João Ferreira de Almeida - defensor da Verdade
Ele nasceu em Torre
de Tavares em Portugal, em 1628. Perdeu os pais ainda criança e foi levado à
Lisboa para ser educado por um tio católico. Em 1641, quando os holandeses
chegaram a Batávia (capital da Ilha de Java), Almeida chegou lá também e
através de uma Igreja Reformada holandesa leu um estudo entre as diferenças
entre a Igreja reformada e a Romana e abraçou a fé cristã, fez sua pública
profissão de fé em 1642 (com 14 anos). Em 1651 foi aceito pelo Conselho da
Igreja (chamado também de Consistório) para ser visitador de enfermos. Casou-se
com a filha de um pastor holandês e se tornou suplente de Pastor. Depois
interessou-se pelos estudos teológicos, tornou-se candidato ao trabalho
pastoral na Batávia e assim em 16 de outubro de 1656 foi admitido na condição
de Ministro do Evangelho. Ele foi o primeiro ministro ordenado a pregar em
português.
Seu primeiro trabalho
de tradução realizou-se em 1642, do espanhol para o português. Mais tarde com
17 anos traduziu o NT da versão latina de Theodoro Beza com o auxílio de
versões: italiana, espanhola e a francesa. Neste trabalho, Almeida usou dois
códices, o 05 ou D = Códice Beza (T. Beza
adquiriu este texto do Mosteiro de Santo Irineu depois do ataque dos
huguenotes, datado do século V/VI) e o 06 ou D2 ou Dp
= Códice Claromontano (ambos são textos que contém o latim e o grego),
cada um deles contendo parte do NT que são chamados de textos ocidentais.
Bitencourt nos auxilia:
“É fácil compreender
quão limitado deveria ter sido o trabalho de Almeida, pois a base de sua obra,
o texto latino usado, não era boa, por ser ela própria uma versão, mas ele
mostra a habilidade de jovem erudito, capaz de usar tantas línguas em esforço
de traduzir em português o NT pela primeira vez na sua totalidade. Esta
tradução, como seu primeiro esforço já mencionado, jamais veio a lume,
permanecendo somente em manuscrito.” (p. 160-161)
Almeida quis fazer
uma boa versão em português em 1670, o qual usou o texto grego bizantino
chamado TEXTUS RECEPTUS da Europa continental, que era a
segunda edição de Elzevir. Almeida havia avançado muito, ele foi o
primeiro que traduziu diretamente do original. Há uma cópia desta
edição de Almeida no museu britânico.
Almeida traduziu
também a Liturgia da Igreja Reformada e o Catecismo
de Heidelberg. Algumas considerações sobre a tradução de Almeida
em português são necessárias: Mais uma vez nos ajuda o erudito Bittencourt:
1. O texto grego que
serviu de base para o seu trabalho não era bom, embora fosse o melhor da época;
2. Ele não possuía preparo acadêmico e o fato de haver deixado muito cedo sua terra natal foi-lhe motivo de sérias dificuldades no trato com a língua, [...];
3. Seus dois colegas holandeses...tentaram colocar o trabalho de Almeida em harmonia com a versão holandesa, [...].
4. O trabalho de Almeida representa um avanço definitivo sobre as traduções precedentes, ...pois se baseou no próprio texto grego. Seu trabalho teria sido quase impossível em Portugal, especialmente, se for lembrado que ele traduziu do texto grego de Elzevir, texto não autorizado na época pelo Vaticano, (p.162).
Revisões
Em 1681 o Presbitério
da Batávia, com a autorização da Igreja Reformada Holandesa consentiu com a
publicação que continha várias falhas e assim foi feita uma revisão em 1691,
publicada em 1693. Em 1711, foi publicada uma 3ª edição e em 1773 a 4ª edição
revisada. Em 1811 uma edição especial foi impressa pela British and Foreing
Bible Society para as colônias de fala portuguesa. Em 1875 foram novamente
revisadas e em 1879, pela primeira vez, Almeida foi publicado no Brasil pela
Sociedade Religiosa e Moral do Rio de Janeiro.
O pastor Presbiteriano
A. L. Blackford, agente da American Bible Society foi o responsável pela
revisão final. Esta edição trazia o título de O Novo Testamento mas
somente o Evangelho de Mateus foi publicado. Em 1894 outra revisão de Almeida
foi feita pelo N. H. Chaves cujo trabalho foi auxiliado pelo Rev. R. Stewart.
Com o auxílio da Sociedade Americana da Bíblia (ABS) a tradução de Almeida foi
revisada várias vezes até ser publicado no final do século XIX e início do XX
pela Casa Publicadora Batista. Então a Bíblia toda foi publicada em 1942 pela
Imprensa Bíblica Brasileira da Casa Batista de Publicações. Este foi o primeiro
trabalho que contou com a ajuda dos textos originais de Nestle (1898) e o
trabalho de Westcott e Hort (1881) com manuscritos mais antigos do qual usou
Almeida em sua 1a edição.
É preciso observar
algumas coisas antes de concluir. O texto Majoritário (conhecido como colcha de
retalhos pelos críticos) que inclui vários textos do século VII ao IX e o Textus
Receptus que Almeida usou era uma coletânea de vários textos antigos chamado de
texto bizantino. Os códices Beza e Claromontano foram editados pela Reforma e pelos
reformadores (que não conheciam ainda muitos MSS encontrados depois). A edição
que ficou célebre em 1624 pelos irmãos Boaventura e A. Elsevir foi tomada da
edição de Beza de 1565. O prefácio da 2a. ed. informa que o leitor tem o TEXTUS
RECEPTUS que está escrito em latim: "texto recebido agora por todos, no
qual nós não damos nada corrompido ou mudado." Este era uma soma das
edições de Stephanus, Beza e Elzevir e se estabeleceu como o único
texto verdadeiro do NT. Desta forma, este texto se tornou a base de
todas as versões traduzidas até pouco tempo atrás. Durante os séculos XVII e
XVIII os críticos queriam entender as variantes dos textos para declarar quais
textos eram mais fiéis aos autógrafos originais (os quais ainda não haviam sido
encontrados).
Agora que
esclarecemos a questão da Bíblia em português, devemos esclarecer por que há
brigas quanto aos originais? Por que algumas Sociedades Bíblicas defendem as
versões que usam o texto de Westcott-Hort , também chamado de texto
Crítico (1) e outras defendem as traduções que usam o texto Majoritário e
o Textus Receptus?
Há duas escolas por
trás destas perguntas: a primeira e
mais antiga vem da teoria de Westcott-Hort que rejeitou os textos bizantinos
(grande maioria esmagadora de MSS) dizendo que eles eram muito alterados pelos
copistas. A segunda escola é mais
recente com a tendência de defesa do Texto Majoritário e do Texto Receptus
(tradição bizantina) nos quais a Reforma, as primeiras versões de Almeida se basearam. Quando alguns dizem que não
importa a crítica e sim a tradução examinamos que falta muito conhecimento
sobre o assunto.
Há alguns critérios
de Westcott-Hort (WH), que precisam ser examinados em que o texto deve ser
avaliado que são: 1) brevior lectio potior (a menor
leitura é preferida); a razão é que ao estudar os MSS percebeu-se a tendência
dos mesmos de harmonizar, comentar e até acrescentar coisas para ao texto,
sabe-se que vários MSS são adulterados pelos escribas; 2) proclivi lectioni
praestat ardua (a leitura mais difícil deve ser preferida), neste, tenta-se evitar a
harmonização especialmente nos Evangelhos; 3) o argumento da “conflação” que é
a mistura de textos e que, só os textos sírios têm e 4) o argumento da
genealogia, no qual os MSS mais antigos são mais aceitáveis.(2).
Claro que dentro dos
critérios elaborados por WH são subjetivos e somente a exegese pode afirmar
dentro dos critérios do texto, contexto e uma visão detalhada dos MSS, coisa
não para leigos. Talvez, a pergunta é posso acreditar ou não nos MSS? Uso qual
texto, o de Nestle, Tischendorf ou Texto Majoritário e Receptus?
O erudito professor
Bruce M. Metzger (professor emérito de Bíblia em Princeton Theological
Seminary, falecido em 13/02/2007) elaborou e ampliou estes critérios para que o
estudioso da Bíblia possa elaborar suas próprias escolhas quanto a escolha dos
MSS, eles são:
1) Determine a data das testemunhas que favorecem cada variante;
2) Determine a distribuição geográfica das testemunhas textuais;
3) Determine o grau de relacionamento textual entre os MSS que apoiam
cada variante, e...
4) Determine a qualidade
das testemunhas textuais que favorecem cada variante. (3)
Além disso, deve-se
inferir cada variante com base no estilo e vocabulário de cada autor, (chamado
de critério de probabilidade intrínseca). Quando olhamos para estes critérios o
leigo pode se assustar, mas são critérios para determinar a exatidão do texto
(claro que esta é uma ciência aproximada e não exata devido a complexidade de
mais de 33.000 variações), mas não podemos esquecer que escolhemos um texto não
por que nós gostamos dele e nem por ser ele mais "Reformado" que
outros, mas de acordo com a sua fidelidade e critérios. Desta forma, não
prevalece o meu gosto pela teoria de Westcott-Hort ou da teoria sobre a defesa
do Texto Majoritário ou Receptus, mas argumentos que são razoáveis numa
discussão.
Uma breve pesquisa na
internet nos revela que os critérios para a rejeição do texto eclético (teoria
de Westcott-Hort) são por preferências pessoais e não por estudos
criteriológicos. Gostaria de mostrar alguns problemas do texto Majoritário que
merecem discussões. Minha intenção não é ser conclusivo, mas estabelecer alguns
critérios sobre a escolha do texto pelo peso dos Manuscritos.
Vamos examinar 3 textos clássicos nos quais temos problemas textuais e
assim fazer uma breve análise sobre eles: Mc 16:8-20; Jo 7:53-8:11 e Rm 8:1.
1) O famoso final de Marcos 16:9-20 aparece segundo Nestle nos seguintes
MSS:
2) O Texto da mulher adúltera de João 7:53-8:11 aparece nos seguintes
MSS:
3) O Texto de Rm 8:1 com uma adição em seu final que é clássico da
Crítica Textual;
No Textus Receptus e no texto Majoritário há vários problemas que vamos
enumerar a seguir:
- O
problemático final de Marcos 16:9-20 aparece em 4 versões em vários ramos
de MSS. Os MSS mais antigos (¥ B 304 k sys sams armmss)
desconhecem o final que temos em nossas Bíblias e o Texto Majoritário e
mais os MSS A C D W Q ¦13 33 2427 Û lat sy c.p.h bo, et al. Assim, o final de Marcos não pode ser um texto
confiável para basear nele doutrinas, mas ao mesmo tempo não podemos descarta-lo.
2. O texto de Jo
7:53-8:11 sobre a mulher apanhada em adultério é mais um texto que aparece o
Códice D representante especial do Textus Receptus e que não é encontrado em
vários Papiros tais como o î66 î75 ¥ B L N W X D Q Y, 33 157 892 1241 1424,
além das versões sy sa bo Arm e go e os pais: Clemente, Irineu, Orígenes,
Tertuliano, Cipriano e Nonato. Todos estes omitem o texto inteiro. É verdade
que em alguns MSS o trecho aparece aprece depois de Lc 21, outros no final do
Evangelho de João, mas deve-se lembrar que eles demonstram ser um texto
problemático. Então, pode-se dizer que não é uma questão de subtrair um texto
aleatoriamente, mas de examinar que não há consenso sobre a autenticidade a luz
da crítica textual.
Tudo isto deve ser posto com cuidado, pois não
podemos tirar um texto que é aceito desde a Reforma como autêntico. Mas o grau
de confiança deve ser baixado por causa desses MSS mais antigos.
3. Por fim, o texto de
Rm 8:1 em que há um acréscimo em seu final: “que não andam segundo a carne, mas
segundo o Espírito.” O qual, o aparatus
de Nestle, coloca que o texto que sustenta é justamente o D (Códice Beza do V
século) o representante de quase todo o texto Bizantino. Hoje, a não ser nas
Bíblias que defendem o Textus Receptus, ele é rejeitado como um “erro de
copista”.
Nossa conclusão é que a Crítica Textual merece
atenção. Nunca devemos condenar os tradutores e nem ser tão céticos que rejeitemos
uma versão porque ela procede de A ou B do grupo dos MSS. É preciso cautela e
conhecimento, é preciso estudo e amor a Palavra de Deus e acima de tudo
gratidão a Deus por tudo o que Ele já fez e permitiu as cópias para que pudéssemos
ter a Palavra de Deus. Termino dizendo que toda essa discussão afeta um grau de
possibilidade muito pequeno no comprometimento da verdade das Escrituras, em
termos de porcentagem não deve dar nem 5%. Por isso, creio na Palavra de Deus.
(1) Brooke Foss Westcott e Fenton John Anthony Hort
lançaram em 1881 uma teoria que rejeitava os textos bizantinos ( Texto
Majoritário e o Textus Receptus). Para uma boa discussão sobre isto veja o
artigo publicado por ANGLADA, P. A. em http://solascriptura-tt.org/Bibliologia-PreservacaoTT/TeoriaWH-NTGrego-ManuscritologiaBiblica-Anglada.htm.
(2) Anglada em seu artigo sugere que Westcott-Hort tinham tendências
liberais em tratar sobre o Texto Majoritário como secundário.
(3) STUART, Douglas, e Gordon D. FEE. Manual de Exegese Bíblica: Antigo
e Novo Testamento. Tradução: Estevan Kirschner e Daniel de Oliveira. São Paulo:
Edições Vida Nova, 2008, p.261.
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